INSTITUTO ESTADUAL RIO BRANCO
História Prof. Otávio
O RIO GRANDE DO SUL ANTES DOS AÇORIANOS
Em 1572, quinze anos depois da fundação da Vila de Rio Grande, pólo da efetiva ocupação do território rio-grandense pelos portugueses, desembarcaram aqui os primeiros colonos vindos do Arquipélago dos Açores; muitas outras levas se seguiram, calculando-se em 4 mil o número de casais que para cá vieram. Esse foi o coroamento de uma clarividente e pertinaz política da Coroa Portuguesa, no sentido de estender o seu domínio até o estuário majestoso do Rio da Prata, balizando de maneira inconfundível os limites com a Coroa Espanhola, com a qual partilhava o imenso condomínio sul-americano.
Esta política se esboçou imediatamente depois da “descoberta” do Brasil. Expedições pouco conhecidas desceram ao longo do Atlântico Sul a fim de explorar o litoral e escolher os melhores pontos para serem posteriormente ocupados; a última delas, comandada por Martim Afonso de Sousa, partiu de Lisboa em outubro de 1530, explorou a boca do Rio da Prata e dali regressou ao litoral paulista, pelo qual passara na ida, para oficialmente fundar a Vila de São Vicente, em 1532, e que foi a primeira de todo o Brasil.
Entremente, os castelhanos estiveram ativos e em 1536 fizeram a primeira tentativa de fundar Buenos Aires, que em seguida tiveram de abandonar devido a grande hostilidade dos indígenas que ali viviam e subiram o rio Paraguai, onde em 1541 fundaram Assunção. A essa altura, através da América Central, haviam descoberto o Peru, cujas fabulosas riquezas por algum tempo atraíram todas as suas atenções, ficando o Rio da Prata relegado a um segundo plano.
Não obstante, fizeram sucessivas tentativas de ocupar alguns pontos de nosso litoral – Cananéia, Itanhanhém e Iguape na costa paulista, São Francisco, Ilha de Santa Catarina e Laguna, na costa catarinense – as quais, porém, não lograram êxito. No território rio-grandense, que de perto nos interessa, nenhuma foi feita, permanecendo ele praticamente intocado durante um século.
Em 1580, morrendo o rei de Portugal sem sucessor, porque era um cardeal, a Coroa foi parar na cabeça de seu sobrinho, o rei Filipe II da Espanha, permanecendo assim as duas grandes potências navais e colonizadoras da época unidas até 1640, quando o Duque de Bragança começou a luta pela restauração da autonomia portuguesa, formalmente reconhecida em 1668 e dando início à dinastia da Casa de Bragança.
Foi durante esta união, o chamado PERÍODO FILIPINO (1580 a 1640), que teve grande incremento a expansão dos portugueses, com São Paulo como foco irradiador, por intermédio dos BANDEIRANTES, e o mapa do Brasil começou a ser definitivamente esboçado.
No ano seguinte ao “descobrimento” da América por Colombo, ou seja em 1493, Portugal e Espanha haviam assinado, na pequenina localidade leonesa (Reino de Leão) de Tordesilhas, o famoso tratado que tornaria conhecido por TRATADO DE TORDESILHAS. Este tratado dividia o globo terrestre em duas metades, por uma linha imaginária que atravessava os pólos norte e sul, a 360 léguas a oeste do Arquipélago do Cabo Verde, situado na costa ocidental da África. As terras que na América ficassem a leste dessa linha – passaria pela foz do Rio Amazonas, cortaria o Brasil central e tangenciaria o litoral de Cananéia até Laguna, - pertenceria a Portugal.
Devido aos processos imprecisos de medição da época, à extensão que seria adotada para a légua(1 légua= 6,6 km), ao duvidoso ponto de partida das 360 léguas, a localização do chamado meridiano de Tordesilhas deu motivo para muita discussão; mas quando em 1580 as duas coroas se uniram , a despeito de não propriamente esquecido, deixou na prática de ser respeitado, permitindo que os Bandeirantes alargassem extraordinariamente o território do Brasil.
Desde algum tempo antes dessa união política, gente de São Vicente começou a freqüentar o litoral sul e depois a então chamada Luguna dos Patos - onde se situa a cidade de Laguna hoje chamada de Lagoa Santo Antônio – com a finalidade de procurar minas de metais preciosos e, preferencialmente, cativar índios da nação CARIJÓ, reputados muito mais dóceis do que os do interior do continente.
Na virada século, em torno do ano de 1600, essas expedições, sempre marítimas, eram freqüentes. À medida que escasseavam os índios na costa, os escravagistas vicentinos começaram a incursionar por terra, a partir de Laguna, no território rio-grandense, onde, em troca de quinquilharias, conseguiam a cumplicidade de alguns caciques para este comércio hoje tão abominado.
Entram então em cena os jesuítas portugueses, estabelecidos em São Paulo e no Rio de Janeiro, e que se opuseram sempre à escravização dos ameríndios, embora, paradoxalmente, tolerassem e até se aproveitassem dos negros africanos. A partir de 1604, começaram os jesuítas a freqüentar a Laguna dos Patos, onde chegaram a estabelecer uma residência, com o objetivo de se contrapor à ação dos paulistas.
Datam dessa época as primeiras notícias da presença de europeus em terras rio-grandenses, onde os jesuítas teriam chegado até a margem oriental do Rio Guaíba. (hoje Lago Guaíba).
Simultaneamente, os jesuítas espanhóis, com base em Assunção, do Paraguai, começaram a penetrar no território paranaense num movimento claramente dirigido para o litoral, que, se consumado, traria dois resultados: coibiria a ação dos escravagistas paulistas e garantiria a comunicação quase em linha reta de Assunção com o Atlântico e com a metrópole, dispensando a grande volta pelo Rio da Prata.
Pelo ano de 1619, ainda com fulcro em Assunção, mais um movimento dos jesuítas em direção ao mar foi iniciado, agora através do Rio Ibicuí, no Rio Grande do Sul. Interrompido durante algum tempo devido à grande resistência dos silvículas, recomeçou pelo ano de 1625, pela formação de aldeamentos na margem oriental do Rio Uruguai.
Foi então que esse grandioso projeto político – que teria garantido à Espanha a posse de toda a atual Região Sul do Brasil como, aliás, lhe tocava em razão do Tratado de Tordesilhas – sofreu uma seqüência de rudes golpes que o fez fracassar: os paulistas, primeiro no Paraná, depois no Rio Grande do Sul, precipitaram-se sobre as nascentes reduções, de sorte que os infelizes índios que não foram capturados e levados para São Paulo, foram conduzidos para o lado ocidental do rio Uruguai pelos padres.
Tudo isto se passou durante o período filipino, fazendo com que, ao recuperar Portugal sua autonomia, a partir de 1641, a presença espanhola deixasse de existir desde o Paraná até ao Rio Grande do Sul. Também os jesuítas do Rio de Janeiro e de São Paulo deixaram de freqüentar Laguna, depois de terem estado prestes a dar as mãos a seus confrades de Assunção, que com o famoso Padre Cristóbal de Mendonza à frente teriam chegado à margem ocidental do Guaíba.
Passados cinco anos, ou seja, em 1646, o general Salvador Correia de Sá e Benevides, que havia sido governador do Rio de Janeiro, pediu ao rei de Portugal uma capitania de 100 léguas (660 quilômetros) de costa, sendo metade para o norte da Ilha de Santa Catarina e a outra metade para o sul, por onde alcançaria aproximadamente o rio Aranranguá. Mandado para a África, para retornar Angola aos holandeses, o que de fato conseguiu, o pedido de Correia de Sá foi sobrestado até ser renovado em 1658, mas, por uma série de circunstâncias, somente no ano de 1675 – quase 30 anos depois de formulado – foi atendido, em favor de um filho e de um neto do velho general. Sem entrar em pormenores, que alongariam esta exposição, assinalaremos que a posse nunca chegou a ser concretizada, de sorte que de Laguna para o sul, nenhuma só fração de terreno foi do domínio de algum donatário.
A essa altura – terceiro quartel do século XVII – germinara em Portugal a idéia de ocupar, num lance político e militar espetacular, um ponto qualquer do litoral sul suficientemente próximo de Buenos Aires para permitir a introdução ali, de escravaria africana e produtos manufaturados, avidamente desejados por colonos platinos, que se propunham a pagar com prata, de que Portugal, ainda que, de uma e de outra parte, pela via clandestina do contrabando.
Concretizou-se esse projeto com a fundação, defronte de Buenos Aires, em janeiro de 1680, da Colônia do Santíssimo Sacramento, que daria origem à atual cidade de Colônia, donde partem os
“ferry-boats” para a bela capital platina. Arrasada em agosto, foi reocupada em 1682 devido à eficácia da diplomacia portuguesa. A resposta foi o retorno dos jesuítas à margem oriental do rio Uruguai, onde formariam a partir desse ano os Sete Povos; de uma quantidade relativamente pequena de gado deixado aquém do Uruguai quando da invasão dos bandeirantes 40 anos antes, procedia um número enorme de bovinos que se espalhava até as praias uruguaias para formar a chamada "Vacaria del mar".
Na Laguna dos Patos, perfeitamente conhecida desde o século anterior, se desenvolveu, talvez pelos meados dos seiscentos, uma atividade econômica compensadora, que viria a substituir a escravização de índios, quando os remanescentes destes se internaram no mais recôndito do “hinterland”. Está historicamente comprovado que já em 1675, pelo menos, a “pescaria” da Laguna fornecia produto salgado para as vilas do litoral e até para a Bahia, onde estava sediado o governo geral. Em 1688, o capitão Domingos de Brito Peixoto, morador de Santos, para ali se mudou com dois filhos e alguns parentes e amigos, dando grande incremento a essa atividade e ali introduzindo variada casta de animais domésticos, inclusive gado bovino e cavalar.
Enquanto esse notável empresário viveu, Laguna progrediu, transformando-se numa próspera povoação, cujas embarcações abarrotadas de produtos eram recebidas jubilosamente onde chegavam.
Não se sabe exatamente em que ano Brito Peixoto morreu, mas foi pouco depois de perder o filho mais novo, Sebastião de Brito Guerra e, pouco antes de a Colônia do Sacramento sofrer novo assédio, levando os portugueses a abandonarem-na no começo de 1705.
De sua reocupação em 1682 até 1705, haviam decorrido dois decênios durante os quais uma estreita faixa do território rio-grandense ficou melhor conhecida, por desertores que numa viagem de dois meses, ao longo de nossas praias, alcançavam Laguna. Com a morte do fundador e de um filho, o outro, mais velho, chamado Francisco, decidiu voltar definitivamente para Santos, onde viviam sua mãe e uma irmã casada. Era solteiro e teve vários filhos naturais com índias carijós. Uma de suas filhas casou-se com o português José Pinto Bandeira, avô do Brigadeiro Rafael Pinto Bandeira, nascido no Rio Grande do Sul e primeiro rio-grandense a alcançar esse elevado posto.
Quando se iniciaram as negociações diplomáticas de que resultaram o Tratado de Utrecht de 1715, que pela segunda vez devolveu a Colônia do Sacramento a Portugal, Laguna foi elevada a vila, e Francisco de Brito Peixoto nomeado seu capitão-mor, sendo instado a voltar para ela, o que realmente fez. Do governador do Rio de Janeiro, Francisco de Távora, a que estava subordinado, ele recebeu ordem de mandar examinar o local onde existiria a Colônia, que em outubro de 1716 foi reocupada por numerosa guarnição a que se juntaram, em fevereiro de 1718, 40 casais escolhidos da província de Trás-os-Montes. Mandou uma expedição de Laguna para esse fim, a qual, na volta, trouxe uma tropa de gado vacum que terá sido a primeira a atravessar a entrada da Lagoa dos Patos em balsas, para ser levada até Laguna.
O Rio Grande do Sul até então praticamente nenhum interesse despertara no governo português ou de homens de negócio, por não haver revelado riquezas minerais ou de outra natureza; agora abria-se uma perspectiva econômica que moldaria sua vocação: a criação de gado, a venda de seus produtos e, principalmente, a de cavalos e muares para São Paulo, donde seriam mandados para as Minas Gerais.
Esse rendoso comércio rapidamente se desenvolveu, contando com a conivência de contrabandistas castelhanos que viviam e agiam nos campos uruguaios e algumas tribos, cuja ajuda os portugueses conseguiam em troca de coisas de que gostavam, inclusive fumo e aguardente. Entusiasmados com as perspectivas desse negócio, os governadores de São Paulo incentivaram-no calorosamente. Quando surgiu a idéia de se abrir um caminho que permitisse a ida de animais por terra desde as planícies uruguaias até São Paulo, apoiaram-se sem vacilação.
Em fevereiro de 1728, no Morro dos Conventos, à margem esquerda do Rio Araranguá, o sargento-mor (major) Francisco de Sousa e Faria, por conta e ordem do governo de São Paulo, à frente de uma centena de homens abriu o primeiro pique na espessa mata litorânea. Galgou a serra para desvendar os belíssimos campos de Cima da Serra, onde encontrou gado. Depois de atravessar as nascentes do Rio Uruguai, prosseguiu, pelo ermo planalto catarinense para chegar a Curitiba, em setembro de 1730, ao cabo de dois anos e meio de canseiras e privações. Abriam-se assim para o Rio Grande do Sul as portas de um radioso futuro: no verão de 1733, após seis meses empregados em melhorar o acesso ao alto da serra, ali desembocou a primeira tropa, que chegaria a Curitiba ao cabo de 13 meses. À sua frente estava o coronel Cristóvão Pereira de Abreu, ambicioso filho do Minho, que aproximadamente desde 1719, na Colônia do Sacramento, negociava com couros extraídos das coxilhas uruguaias. Cerca de três mil cabeças, pertencentes a ele e outros tropeiros, constituíam essa histórica tropa.
Texto retirado da obra: Presença Açoriana – Organizada pela historiadora Vera Lúcia Maciel Barroso - Artigo escrito por Moacyr Domingues – historiador, ex-diretor do Arquivo Histórico do RS.
Responda as questões abaixo sobre o texto:
1 – Por que o território rio-grandense ficou intacto, sem exploração por mais de um século tanto de portugueses como espanhóis?
2 - Qual a influência do Período Filipino na expansão territorial portuguesa na região platina (incluindo o Rio Grande do Sul)?
3 – Qual a origem da “Vacaria del Mar”?
4 – Qual o objetivo da Fundação da Colônia do Santíssimo Sacramento em 1680 por parte dos portugueses?
5 – Como iniciou-se a pecuária no Rio Grande do Sul?
6 - Como foi a construção da primeira estrada, sua localização, quem construiu e com qual objetivo?
# Responder em uma folha e entregar.